quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Impróprio

(Num buteco da cidade)

- Velho, tem muita coisa boa escondido por ai. E só de pensar que eu olhava só para o meu umbigo...

[Ele só me olhava.]

- Óh João, como é vasta essa rede, meu amigo! Fiz um lance que eu gostei. Batizei de "Música por instinto". É bom e você acaba se encontrando em meio aquele vasto corredor que não se enxerga o fim.

[Ele só me olhava.]

- Eu gosto de música. Quer dizer, tô aprendendo a ser um apreciador musical.

[Passou a mão sobre a cabeça.]

- Sabe, eu percebi que não tenho estilo. E isso é bom! Assim, acabo que eu não me limito. Não tenho que manter uma falsa carcaça sobre a carne. Sabe? Tem dia que eu sou do pop, tem dia que eu sou do rock e assim vou indo. Eu tô sabendo aproveitar a minha liberdade musical.

[Coçou a Sobrancelha. Pegou fôlego para falar, mas... Engoliu a sua fala.]

- E não procure questionamentos sem fundamentos para tentar apontar erros que só você consegue enxergar! Já te falei que gosto não se discute, logo, música também não. Meu pai sempre me disse:
- "Filho, há duas coisas nessa vida que não se discute, uma é futebol e a outra é religião”.

[Olhou fixamente para os meus olhos.]

- Daqui alguns anos eu direi ao meu filho:
- "Meu pai sempre me disse que nessa vida há duas coisas na qual não se discute, uma é o futebol e outra é a religião, mas vivendo e observado ao meu redor, pude perceber e afirmo pra você, meu filho, que há mais uma outra coisa que não se discute e que meu pai não me disse: a música." ...e completarei: - "Ah, e se algum dia você desejar que os outros respeitem as suas ideias e opiniões, passe primeiramente à respeitá-los, pois o respeito é uma via de mão dupla, meu garoto.".

[Perdeu toda feição daquele rosto. O silêncio tornou-se ainda mais gritante.]

- João, rapaz. Venha me visitar quando quiser. Nosso papo tá bacana, mas eu tenho que ir. Você sabe onde me encontrar.
- Garçom, pode fechar a conta, por favor?

(O garçom chega com a conta)

- Tá aqui, ó. Pode ficar com o troco. Obrigado e boa noite.

- Falou João, até depois.

[Esboçou um sorriso.]

(Me levantei e fui em direção ao carro)

- Agora eu acho que ele entendeu. Tomara que aprenda! {Penso eu}.

(Abro a porta do carro, ligo o rádio, e começo a degustar aquele som)

“...esse espelho mostra as caras de nós dois
E uma delas olha pra mim
Na outra o sorriso como se fosse fácil
Só um passo para trás e tudo então
Naturalmente se expandiu
O meu problema está ao seu lado
Impróprio pra você
Tão claro pra mim
Espero que você não olhe pro fundo dos meus olhos
Claro pra mim
Espero que você não olhe pro fundo dos meus olhos...”

(Ligo o carro, aceno para o João e acelero)

Agora, João sentado em frente ao buteco, observa o carro sumindo na imensidão do horizonte. Após a conversa entre os dois amigos, ele ficou a pensar e pensar e pensar. Refletiu!

2 comentários:

Isabella Marques disse...

Parabéns! Mais um ótimo texto.

Só discordo de uma coisa: a música deve ser sempre um bom assunto para se discutir, mas talvez o gosto não, ele sim é "escolhido" e indiscutível.

Bom gosto você tem, continue assim.
Beijos.

André Camargos disse...

Claro Isa! Nas viagens do texto, acho que deixei pouco explicado isso. Quando comecei a refletir e me referi ao lance de que música não se discute, estava dizendo com relação aos gostos e tals. Isso é muito pessoal... O ruim é quando as pessoas se acham superiores aos outros, do tipo, "Vc escuta isso? Credo!", "Isso não é rock!" - Observe as limitações - ou até mesmo, "Você só escuta coisas ruins" - Gosto é gosto (Ainda bem que cada um tem o seu!) Agora, não tem coisa melhor do que falar de música, discutir no sentido de apresentar coisas novas e assim, ver no meio de tantos gostos, o que você deseja ouvir - degustar. Valeu pelo comentário!
Bj.